Fonte: A.V. Club
O website “A.V. Club” fez um verdadeiro e profundo tratado sobre a rivalidade que exisitia entre Axl Rose e Kurt Cobain, dois dos maiores ícones do início dos anos 90. Abordando diversos aspectos da guerra particular – e que quase chegou ás vias de fato – entre os dois ídolos, o texto traz uma incrível análise psicológica dos músicos, além de uma ótima caracterização do que estava acontecendo no mundo da música naquela época.
Confira o texto completo, em português, com exclusividade no Imprensa Rocker!
“Aprovados pelo Guns n’ Roses” – legenda sobre o Nirvana na revista semanal britânica “New Musical Express”.
“O papel dele tem sido interpretado por anos. Desde o começo do Rock n’ Roll que há um Axl Rose. E é um saco. É totalmente entediante para mim. Isto é uma novidade para ele, obviamente porque está acontecendo pessoalmente com ele, e ele é uma pessoa tão egoísta que pensa que todo o mundo lhe deve alguma coisa” – Kurt Cobain falando sobre Axl Rose (retirado do livro “Come As You Are: The Story of Nirvana”, de Michael Azerrad.
“Você é tudo que eu poderia ter sido” – Axl Rose falando para Kurt Cobain após um show do Nirvana em outubro de 1991, e relatado por Courtney Love em “W.A.R.: A Biografia Não-Autorizada de Willian Axl Rose”, de Mick Wall.
A parte mais complicada de se escrever sobre a história é colocar estilos, modas e movimentos sociais numa perspectiva adequada. Nem todo mundo passou os anos 60 fazendo bebês na lama em Woodstockk, ou os anos 70 cheirando com Bianca Jagger no “Studio 54”. Nós nos apoiamos nestas coisas, porque elas possuem significados facilmente reconhecíveis de suas respectivas eras, mas muita coisa é ignorada quando você toma o atalho das jaquetas Nehru e músicas dos Bee Gees. O espectro das experiências em qualquer era é simplesmente amplo demais; me faz imaginar se a chamada “monocultura” realmente existiu, no qual “todos concordavam” com o que era bom nas rádios e nas três emissoras de TV. Talvez apenas tenhamos melhorado em reconhecer que mesmo as coisas realmente populares são irrelevantes para significativas porções da população. Uma banda tão abrangente como eram os Beatles nos anos 60 provavelmente não significava muito para um adolescente negro que vivia em Detroit, ou para um motorista de caminhão da zona rural do Texas, ou para os milhões de decentes conservadores norte-americanos médios que trabalhavam duro e que esperavam impacientemente que aqueles cabeludos desafinados terminassem sua apresentação no Ed Sullivan, para que os mágicos e malabaristas pudessem entrar.
Há uma anedota muitas vezes contada sobre como o “Nevermind” foi lançado ao topo das paradas da “Billboard” nos últimos dias de 1991, porque os garotos trocaram o “Dangerous” de Michael Jackson pelo álbum do Nirvana, que era o que eles realmente queriam no natal. É uma estória rica em significado metafórico, mostrando a recém iniciada banda de Punk Rock contra o gigante superstar do Pop dos anos 80, terminando com os caras novos roubando a tocha cultural à força. Na versão cinematográfica, você veria adolescentes de todos os lugares trocando suas blusas brilhantes e jeans de pedra lavada por camisas de flanela e acessórios “Doc Martens”, e os escutaria reclamando sobre como os pais, a escola, o sistema e a mídia diz à nova geração com o que se importarem, e como isto é uma merda. É como se todos nós tivéssemos decidido nos tornar Christian Slater no filme “Pump Up The Volume”, e isto começou com o Nirvana destronando o rei do Pop.
Na realidade, “Dangerous” acabou se tornando indiscutivelmente mais popular que o “Nevermind”, vendendo mais de 30 milhões de cópias em todo o mundo e gerando nove singles ao longo de dois anos. A sexta canção de “Dangerous” a ir para as rádios, “Heal The World”, provavelmente seria mais reconhecida pelos fãs casuais de música do que qualquer canção do Nirvana, possivelmente com a exceção de “Smells Like Teen Spirit”. “Dangerous” só parece um fracasso se comparado aos três mega-sucessos – “Off The Wall”, “Thriller” e “Bad” – que Jackson lançou antes dele. Mas ainda havia muitas pessoas que amavam “Dangerous”; ele pode ter perdido a batalha para o “Nevermind” aos olhos dos historiadores do Rock, mas Michael Jackson se deu bem na guerra.
“Nevermind” já havia sido mitificado quando Kurt Cobain cometeu suicídio em 1994; depois, pareceu que o disco existiu apenas como o ponto histórico que marcou o maior triunfo de Cobain e sua sombria introdução ao lado negro da inescapável fama e adulação. É difícil ouvir o “Nevermind” hoje em dia sem sentir o peso da história ou sem escutar o barulho do trovão do pressentimento. Mas a entrada do “Nevermind” no panteão dos “Importantes Álbuns de Rock” teve um certo atraso. Quando foi lançado, o disco só recebeu três estrelas e um review suave da “Rolling Stone”. De acordo com a “Spin”, o Nirvana era bom, mas não chegava nem perto do Teenage Fanclub, cujo álbum “Bandwagonesque” foi nomeado o disco do ano.
(“Nevermind” liderou o rank da “Village Voice’s Pazz & Jop Critics Poll”, ficando na frente do Public Enemy, R.E.M., U2 e P.M. Dawn. “Smells Like Teen Spirit” também liderou a lista de singles, ficando 19 posições acima de “Pop Goes The Weasel” do 3rd Bass que, assim como o Nirvana, levava a sério o desafio contra os “falsos artistas”.)
Assim como milhões de garotos, eu comprei uma cópia do “Nevermind” no fim de 1991, mas não me apressei em comprá-lo assim que escutei “Smells Like Teen Spirit”. Entretanto eu enchi o saco de minha mãe para que ela me levasse ao shopping para eu comprar dois álbuns que haviam saído uma semana antes do “Nevermind”. Eu havia esperado três anos por estes discos – toda a minha vida como consumidor de música. Por meses engoli o hype prometendo que a música destes álbuns poderia ser a melhor coisa a castigar meus tímpanos. Logicamente, tinha que possuir estes discos assim que estivessem disponíveis.
Você sabe onde está? Você está na selva com os “Use Your Illusion I” e “Use Your Illusion II” do Guns n’ Roses, baby! E até o final de 1991, algo que uma vez foi vital para a banda mais perigosa do planeta ia morreeeeeer!
O ano de 1991 pode ser lembrado como o ano do “Nevermind”, mas nenhuma banda era tão grande na época quanto o Guns n’ “Fucking” Roses, e nenhum rockstar tinha mais poder do que Axl Rose, o homem que fez da bandana e dos micro-shorts de ciclista algo cool de usar em público somente através da força de sua personalidade. O debut do Guns ‘ Roses, “Appetite for Destruction”, está entre os álbuns de Rock mais vendidos de todos os tempos e foi a trilha sonora de incontáveis adolescentes em ter o fim dos anos 80 e começo dos anos 90. Garotos de toda a parte estavam trepando, ficando bêbados e sendo espancados pela primeira vez, ao som de “Welcome to The Jungle” e “Paradise City”. Em 1991, Axl era tão poderoso que conseguiu coagir sua gravadora “Geffen Records”, a lançar dois maniacamente ambiciosos álbuns duplos no mesmo dia – 17 de setembro de 1991 – ao invés de separados por um ou dois anos, que era o que a gravadora queria fazer, porque parecia fazer mais sentido. O lançamento duplo dos “Use Your Illusion” era um ato tão descarado em sua arrogância, e ainda assim estranhamente admirável por sua dificuldade artística, que ninguém havia sido tão louco de tentar isso anteriormente e nem copiar nos 20 anos posteriores (sim, houve o pouco admirado projeto de Bruce Springsteen “Human Touch/Lucky Town” no ano seguinte, e o lançamento duplo de Sweat/Suit de Nelly em 2004, mas nenhum destes eram álbuns duplos). Podemos debater sobre a grandiosidade e importância do “Nevermind” – prefiro que não debatemos, mas vá em frente se quiser – mas não há argumentos contra a saga “Use Your Illusion” ser um evento único e histórico desde o nascimento do Rock; em termos de excessos, o fato fincou a bandeira do fim do mundo.
Baladas grandiosas baseadas no piano, épicos prog-Punks doentios, Blues queixosos cheios de DST’s, canções “piada” sobre putas mortas em valas, folks largados denunciando excessos anônimos e não tão anônimos, uma surpreendente e mordaz canção anti-guerra, ataques furiosos (e difamatórios) a jornalistas, participação especiais do cara do Blind Melon – “Use Your Illusion” tinha de tudo. Tudo que a “Geffen” podia fazer era esperar que Axl não decidisse carregar ainda mais paranóia sufocante e balbucios psicóticos em novas canções, adiando ainda mais o lançamento destes já obesos mamutes gêmeos à vida selvagem.
O primeiro gosto que o mundo teve de “Use Your Illusion” foi “You Could Be Mine”, lançado como single em junho de 1991, junto com o filme “O Exterminador do Futuro II: O Dia do Julgamento”, que por acaso era a outra obra de entretenimento na qual eu estava obcecado naquele ano. O Guns n’ Roses ainda estava há meses de lançar os álbuns que “You Could Be Mine” deveria divulgar – a canção é “Use Your Illusion II”, o que era bem confuso se você não soubesse sobre o “Use Your Illusion I” – mas o vídeo com Arnold Schwarzenegger foi bem sucedido em manter a banda onipresente na MTV naquele verão, como se ela estivesse em turnê pelo país. Não que o Guns n’ Roses precisasse de qualquer ajuda para chamar a atenção; durante um show em St. Louis, em julho, Rose saiu do palco, um reação ao que ele julgou ser um “segurança idiota”, durante a performance de “Rocket Queen”, a 15ª música da noite. O público respondeu destruindo o lugar, causando um prejuízo de US$ 200 mil; Rose mais tarde foi preso acusado de iniciar tumulto (ele se vingou, escrevendo “foda-se St. Louis”, nos créditos de ambos “Use Your Illusion”).
O tumulto sugeriu que a imagem do Guns n’ Roses ainda era rude o suficiente para convencer os fãs que socar uns aos outros na cara era uma reação razoável ao fato da banda só ter tocado por 90 e poucos minutos. Mas “Use Your Illusion” era o trabalho de uma banda indo além de seu início humilde, como patifes da rua que negociavam heroína; em breve o mundo descobriria que “You Could Be Mine” – uma canção magra, sórdida e com o balanço de uma cascavel, no clima do “Appetite” – havia criado uma porção de expectativas Hard Rock que os álbuns, independentes de seus outros méritos, não conseguiria atingir.
O single que definiu o “Use Your Illusion I”, entretanto, acabou sendo “November Rain”, que chegou à MTV um ano após “You Could Be Mine”. Desnecessariamente caro, fatalmente exagerado, e um claro produto de uma falta de visão auto-destrutiva, o vídeo de “November Rain” já parecia risível desde a primeira vez que a MTV o exibiu. Era como se Axl estivesse seguindo obedientemente uma lista de coisas que você não queria ver envolvidas com o Guns n’ Roses: ricos casamentos, orquestras enormes, simbologia, Stephanie Seymour, e assim vai. Apenas cinco anos antes, o Guns n’ Roses apresentou uma imagem muito diferente no vídeo de “Welcome to The Jungle”, que para mim é a coisa mais poderosa que a banda já fez, inclusive mais poderoso que o “Appetite” como um todo. Até hoje, o Guns n’ Roses visto no vídeo de “Welcome to The Jungle” é a única banda de Rock a me assustar de verdade. Sim, ajudou o fato de eu só ter 10 anos na época, mas o Guns n’ Roses era enervante de uma forma que nem a mais assustadora das bandas de Metal poderia ser. As bandas de Metal eram como filmes slasher (Nota do tradutor: filme do gênero de “Sexta-Feira 13”, “Halloween”, “Massacre da Serra Elétrica”, etc); o Guns n’ Roses era como um estupro na prisão.
O Nirvana é creditado por fazer as bandas de Hair Metal dos anos 80 parecerem bobas, com o “Nevermind” mas o Guns n’ Roses já havia feito isto com o vídeo de “Welcome to The Jungle” alguns anos antes. Mas mesmo que Rose tivesse maiores ambições em 1991, os bravos jovens de Seattle ameaçando transformá-lo em dinossauro antes da hora, aparentemente não o incomodou. Na verdade, ele foi um dos primeiros rockstars a entrar na onda do “Nevermind”. Em setembro de 1991, o Guns n’ Roses lançou o vídeo para a relativamente contida balada “Don’t Cry”, que mostrava imagens de Rose usando um boné de baseball do Nirvana. Rose usou o mesmo boné no filme do making of, e aparentemente também era um entusiasmado fã de seus colegas de “Geffen” fora das câmeras. Em outubro, ele levou Slash para ver o Nirvana tocando em Los Angeles e, de acordo com o livro “W.A.R.: A Biografia Não-Autorizada de Willian Axl Rose”, de Mick Wall, ele até fez aquela sua dancinha enquanto o Nirvana tocava (por que, oh, por que iPhones não existiam em 1991?).
Rose ansiava em escutar o Nirvana fazer um cover de “Welcome to The Jungle” – ele queria que eles fizessem “do jeito deles, seja lá como for” – e convidou a banda para tocar em sua festa de aniversário de 30 anos. Publicamente, ele quis que o Nirvana participasse da turnê gigantesca que o Guns n’ Roses fez com o Metallica, o que seria uma incrível oportunidade para qualquer banda que estivesse tentando estabilizar um público. Quando o Nirvana recusou, Rose chamou o Soundgarden, outra banda de Seattle que ele elogiava na mídia antes da maioria dos fãs mainstream ouvirem falar do grupo.
Diga o que quiser sobre Axl Rose, mas você não pode acusá-lo de não estender o tapete de boas vindas às novas promessas da fraternidade dos rockstars. Mais do que tudo, o cara parece um fã; eu seu que eu convidaria o Nirvana para minha festa de aniversário em 1991 se eu tivesse condições. Infelizmente, o fato de Axl Rose abraçar o Nirvana pareceu confirmar os maiores medos de Kurt Cobain ao assinar com uma grande gravadora. Para Cobain, Axl Rose representava tudo de horrível no Rock corporativo. Num nível pessoal, ele achava Rose um ser humano desprezível, a epítome do racismo, sexismo, homofobia, orgulho caipira e comportamento “machão”, que sua música pretendia irritar e destruir.
Que Rose era mais complicado que isto – ele era o mesmo desajustado que Cobain foi enquanto crescia, e um cara razoavelmente sensível, considerando que ela chamou a mãe de “boceta” na canção “Bad Obssession” – não foi levado em questão. Rose significava a velha guarda, o Rock do super-estrelato, e Cobain nunca foi tão deliberado em seu desejo e desmantelar esta instituição quanto em sua franca crítica a respeito do Guns n’ Roses. A aversão que Cobain tinha em se tornar Axl Rose beirava a obsessão; ele disse à imprensa que do US$ 1 milhão que ele recebeu assim que o Nirvana explodiu, relativamente modestos US$ 300 mil foram para uma casa e apenas US$ 80 mil foram gastos em outras despesas pessoais. “Isto definitivamente não é o que Axl Rose gasta em um ano”, disse Cobain (uma história aparentemente contraditória é contada no livro “Heavier Than Heaven: A Biography of Kurt Cobain”, de Charles R. Cross: Cobain e Courtney Love passaram dois meses da primavera de 1992 no luxuoso “Four Seasons Olympic Hotel”, em Seattle, totalizando uma extravagante conta de US$ 36 mil antes de serem expulsos do lugar. O nome que eles usaram para registrarem-se no hotel foi Bill Bailey, o apelido original de Axl Rose).
A ironia na rivalidade entre Axl e Kurt é que Cobain – o feminista que usava vários suéteres para não parecer tão magro – foi claramente o agressor, enquanto Rose, que mandou todo e qualquer crítico “chupar seu pau” em “Get in The Ring” e que chamou Vince Neil do Motley Crue para a porrada, do lado de fora da “Tower Records, em Los Angeles, parecia se retrair com relação a um homem que ele parecia admirar genuinamente. É meio triste, de verdade, apesar de que Rose não evitou de insultar Cobain. Quando o Nirvana recusou a participar da turnê “Get in The Ring” com o Guns n’ Roses e o Metallica, Rose se queixou à revista “Metallix: “Eles preferiram ficar em casa tomando heroína com suas esposas putas ao invés de saírem em turnê com a gente” (palavrões à parte, Rose não estava completamente errado).
As coisas finalmente explodiram no backstage do “MTV Video Music Awards” de 1992, onde Cobain e Rose tiveram um mítico encontro, no nível dos encontros dos mais icônicos popstars de todos os tempos. Foi como quando Bob Dylan fumou um baseado com os Beatles, ou quando David Bowie cantou “Little Drummer Boy” com Bing Crosby, só que desta vez os participantes, sem dúvidas, odiavam um ao outro. Você pode comprar isto com aquela cena do filme “Heat” (N.T.: No Brasil, o filme se chamou “Fogo Contra Fogo”), quando o assaltante de banco interpretado por Robert De Niro toma um copo de café com seu rival da polícia, interpretado por Al Pacino, mas Axl e Kurt não conseguiram nem ao menos cultivar um invejo respeito mútuo. Os detalhes do encontro já são bem conhecidos pelos fãs do Nirvana, do Guns n’ Roses e pelos fãs de briga entre celebridades: começou quando Courtney Love, que estava sentada com Cobain e sua filha, ainda bebê, Frances Bean, chamou Axl e sua namorada Stephanie Seymour, e perguntou se ele queria ser o padrinho da criança. Ao invés de atacar Courtney, Axl se virou para Kurt:
“Cale a boca da sua puta, ou eu resolve isso lá for a com você”, rosnou Axl, soando mais ameaçador do quem em qualquer parte ao longo dos 150 minutos dos “Use Your Illusion” (pelo menos, do jeito que eu imagino a cena).
Sem deixar a peteca cair, Cobain se vira para sua esposa e diz sarcasticamente: “Ok, puta, cale a boca”. Sem querer perder a chance na troca de insultos entre os casais, Seymour pergunta dissimuladamente à Love: “Você é modelo”?
“Não”, ela respondeu. “Você é uma cirurgiã cerebral”? Fim de jogo, vitória do time Grunge.
Se há uma analogia que chegue perto de descrever este auge hostil, seria a primeira luta de Muhammad Ali contra Joe Frazier em 1971, no “Madson Square Garden”, onde Ali era visto como representante do liberalismo anti-guerra e Frazier era associado com o “establishment” conservador. Assim como Ali e Frazier, Kurt e Axl eram ligados por suas habilidades em transformar seus sentimentos de agressão, fúria, alienação e ódio em uma vocação altamente lucrativa. Mas eles vieram fundamentalmente de dois mundos diferentes, e juntar os dois ofereceu um caso de estudo fascinante sobre o que acontece quando dois homens que representam perfeitamente sensibilidades opostas agem de acordo com suas diferenças filosóficas no mundo físico.
Parece bem violento para uma noite que teve Dana Carvey como anfitrião, eu sei. Mas a forma como a estória “Kurt fez Axl parecer um idiota no VMA” foi reportada, e subseqüentemente exagerada por Cobain e pela mídia, diz muito sobre como “Use Your Illusion” (até mais do que o “Nevermind”) fez o comportamento “fora da lei cool” do Guns n’ Roses parecer apenas uma pose vazia, no espaço de um ano. O Nirvana estrelar um memorável momento Rock n’ Roll “foda-se” no palco ao tocar alguns compassos de “Rape Me” antes de mandar uma perfeita versão desleixada de “Lithium” – um contraste devastador para com o dueto de Rose com Elton John na altamente coreografada “November Rain” – aparentemente não foi o suficiente para Cobain, que compartilhou sua recheada estória com Axl no backstage com a MTV, falando sobre a arrogância de Rose no que foi descrito como uma clássica estória de Davi e Golias. No vídeo abaixo, que parecer ter sido gravado no dia seguinte ao incidente, num show beneficente em Portland, Cobain fala dos “20 guarda-costas” que estavam em volta de Rose e como Axl o ameaçava, enquanto ele tinha “um desamparado bebê nos braços”. O baixista do Nirvana, Krist Novoselic, também fala do Guns n’ Roses como sendo “o establishment do Rock n’ Roll” e “ como eles querem que as pessoas acreditem na rebeldia deles de sentar numa Harley Davidson, enquanto tocam piano com uma orquestra de 41 músicos, exatamente como fez o Emerson, Lake & Palmer em 1978”. O Nirvana este lendo seus próprios recortes da imprensa.
Um bom desvio para esta estória é a alegação de Novoselic de que foi ameaçado mais tarde naquela noite pelo baixista do Guns n’ Roses, Duff McKagan. Aparentemente isto realmente aconteceu; McKagan até fez um tardio pedido público de desculpa a Novoselic no começo deste ano. Mas mesmo se ele tivesse desafiado Novoselic para uma luta mortal entre baixistas famosos, no meio de uma fúria induzida por bebidas e drogas, McKagan poderia ter tido uma pequena folga ao invés do Nirvana entregá-lo publicamente. Antes de se mudar para Los Angeles e se juntar ao Guns n’ Roses, McKagan era um membro ativo da cena Punk de Seattle, tendo tocado no The Fartz, Fastbacks e inúmeras outras bandas. Após ter ficado famoso, McKagan manteve os laços com a comunidade local de músicos, hospedando os integrantes do Pearl Jam eu sua casa, em Los Angeles, em uma das primeiras turnês da banda, e até batendo papo com Cobain numa viagem de avião para Seattle, após Kurt ter fugido da reabilitação pela última vez em suas últimas semanas de vida.
Obviamente não conheço Duff McKagan pessoalmente, mas baseado no video acima e no que li sobre ele em vários livros sobre Grunge, tenho que dizer que ele parece um cara sólido. E seu rancor anti-Nirvana aparentemente durou pouco, dada a empatia que ele sentiu por Cobain enquanto ele ia embora. Mas após 1991, a mera menção das palavras “Duff McKagan” ou qualquer coisa associada com o Guns n’ Roses inspiraria risos e desprezo entre os que acreditavam que o mundo não era grande o bastante para Axl Rose e Kurt Cobain serem rockstars simultaneamente.
É um atalho conveniente pintar Axl Rose como o cabeça de vento clichê do Rock n’ Roll e Kurt Cobain como o artista genuíno, mas o que é deixado de fora? Olhando para trás, eu vejo a diferença crucial entre Axl e Kurt como sendo a forma que eles escolheram para deixar fluir seus lados mais sombrios e feios. Ambos tiveram infâncias problemáticas que desembocaram em um vida adulta caracterizada por intensa mudanças de humor e uma necessidade compulsiva de controlar seu ambiente. Ambos odiavam a imprensa por divulgar “mentiras” que às vezes acabavam sendo verdadeiras, e ambos foram influenciados por mulheres que criaram tanto sofrimento quanto prazer em suas vidas. Ambos viam a fama com uma faca de dois gumes; deu a eles a atenção que ansiavam após uma vida inteira sendo ignorados, e ainda assim parecia intensificar seus sentimentos de auto-aversão. Eles eram, para usar um termo médico, dois caras fodidos mentalmente, e que expressaram isto eloqüentemente em suas músicas.
Mas mesmo nas mais tristes e depressivas canções do Nirvana, Cobain sempre pareceu um cara sensível e pensativo. Rose, por outro lado, escreveu diversas canções sobre ser uma má pessoa e sem parecer se arrepender disto. Esta dicotomia é meramente um reflexo do que estes caras são? Talvez, mas acho difícil de acreditar que Rose não tinha noção dor fato que ele se pintava como uma figura monstruosa em sua música. Ele teria que ser um completo sociopata para não perceber isto – apesar de que Patrick Bateman, do livro “American Psycho”, sabia esconder sua verdadeira essência através do seu amor pelas canções de Huey Lewis e de Phil Collins, dos tempos de Genesis.
Se as canções de Cobain lidavam com surrealismo e nonsense divertido, as de Rose falavam sobre sinceridade e fúria. Uma música como “Dumb” parecia falar do romance químico de Cobain com amor: “My heart is broke, but I have some glue/Let me inhale, and mend it with you” (N.T.: A tradução ficaria, “Meu coração está partido, mas eu tenho alguma cola/me deixe inalar e fazer as pazes com você”), mas ele também dizia que suas letras não significavam nada. Já Rose tornou inevitável a conexão entre “Sweet Child O’ Mine” e sua então namorada Erin Everly, quando a colocou no videoclipe da canção. Mas se Rose amava Everly o suficiente para escrever a mais bonita Power Ballad da história (com a ajuda de Slash e Izzy Stradlin), houveram dias em que ele a odiava numa intensidade semelhante – e ele acreditava que valia à pena escrever sobre isto também. A relação de Cobain com Courtney Love estava longe de ser sadia, mas ele nunca escreveu uma seqüência doentia para “Heart Shaped Box”, como Rose escreveu diversas réplicas tóxicas para “Sweet Child”.
Não estou dizendo que esta abordagem é preferível, apenas que Axl Rose deveria ser creditado por criar sua própria imagem pública, incluindo as partes que pessoas como Kurt Cobain desprezavam. Talvez ele tenha sido honesto demais: por mais que a trilogia de vídeos – “Don’t Cry”, “November Rain” e “Estranged” – do “Use Your Illusion” seja risível, ela mostra Rose lutando conscientemente, em esfera pública, contra seus impulsos suicidas, traumas de infância e propensão à violência doméstica. Não só ele estava aberto com relação aos demônios que o perseguiram de Indiana até a Sunset Strip, como às vezes admitiu que gostava deles ou, pelo menos, não estava disposto a sacrificá-los no altar do politicamente correto, sem se importar com os efeitos que eles teriam na forma como ele seria reconhecido.
O melhor exemplo disto é a mais controversa canção que Rose já escreveu: a radioativa “One in a Million” do ábum de 1988, “GN’R Lies”. Um relato dos primeiros dias de Rose em Los Angeles, “One in a Million” é desconfortavelmente franca, mas uma representação estimulante de como um “garoto branco de uma cidade pequena” reage ao ser confrontado por inúmeros molestadores, incluindo a polícia, negros, imigrantes e “viados”. Rose apenas quer que eles saiam do seu caminho para ele poder sobreviver na cidade grande. Críticos compreensivos (e não há muitos quando o assunto é “One in a Million”) poderiam interpretar a música como um comentário a respeito da intolerância, mas Rose descartou esta possibilidade todas as vezes em que tentava defendê-la, dizendo em entrevistas que ele era “pró-heterossexual” e que o comentário sobre os “negros” falava especificamente nos negros que te enchem o saco na Estação Greyhound. Outras vezes ele simplesmente falava que “One in a Million” era uma piada, o que só tornava a canção ainda mais ofensiva.
O poder de “One in a Million” está em ser uma canção intolerante que não endossa a intolerância. Apenas um completo idiota babaca escuta “One in a Million” e balança a cabeça concordando com ela. Nem ao menos é uma canção persuasiva, e não parece que o protagonista foi feito para ser admirado de nenhuma forma. “One in a Million” é uma canção que ninguém jamais iria admitir citar para alguma coisa. O que faz dela tão perturbadora é que Rose não dá o braço a torcer; não um ponto catártico em direção a uma mudança de sentimentos em seu final, que é o motivo de Cobain e milhões de outras pessoas concluírem o pior a respeito de Rose, quando “One in a Million” foi lançada. Mas se Rose fosse mesmo uma pessoa ruim, reacionária, racista e homofóbica, por que ele se importaria em se expor desta forma ao lançar a canção? Rose teria que ter sido o popstar com menos “desconfiômetro” da história para não prever a tempestade de merda que “One in a Million” causaria; você tem que assumir que ou ele não se importava, ou viu algum valor em jogar uma luz sobre as regiões mais sombrias de psique. Ele estava tentando se envergonhar para, assim, se tornar uma pessoa melhor? Se este foi o caso, isto funcionou?
Cobain estava certo: Rose achava que o mundo lhe devia algo, e era a realização de seus sonhos em troca de um doloroso e detalhado relato de seus pesadelos. Em “One in a Million”, Rose canta: “It’s been such a long time since I knew right from wrong/It’s all a means to an end, I keep it movin’ along” (N.T.: “Já faz muito tempo que eu sei a diferença do certo para o errado/É tudo um meio para chegar a um fim, eu me mantenho seguindo em frente”). No fim de 1991, eu escolhi Kurt Cobain ao invés de Axl Rose, porque eu queria alguém que realmente soubesse a diferença do certo para o errado. Mas mesmo se a música de Cobain salvou vidas, o “Nevermind” falhou em salvar o homem que o criou. Ele também não conseguiu tocar Axl; ele é o cara que ainda está seguindo em frente.
Fonte: http://imprensarocker.wordpress.com/2010/10/29/o-que-ha-de-tao-civilizado-na-guerra-axl-rose-vs-kurt-cobain/
Fonte: http://imprensarocker.wordpress.com/2010/10/29/o-que-ha-de-tao-civilizado-na-guerra-axl-rose-vs-kurt-cobain/
0 comentários:
Postar um comentário